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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ensaio sobre o boteco e o velho que é rei.



   A grande maioria das pessoas despreza os botecos de bairro, aqueles com a fachada patrocinada por alguma marca de cerveja e que geralmente são comandados por um velhinho e sua prole. Por não entenderem a complexidade do barzinho quanto instituição ou simplesmente por não acharem esteticamente belos, as pessoas passam despercebidas por esses locais, deixando de absorver uma carga cultural de grandeza admirável. O que quero explicar aqui é a forma desenvolvida e hierárquica dos botecos enquanto instituição social e fonte de entretenimento de determinados grupos.
    Começarei pelo nome. O nome do bar pertencente a um tiozinho, sempre possuirá o nome do mesmo, tendo o objetivo de mostrar quem domina o território, exemplo semelhante temos em Castela (Reino da península Ibérica que hoje pertence ao território espanhol, chamado Reino de Castela devido ao nome da família real), percebem a inspiração histórica de todos os anciões criadores de bares de bairro? O dono do bar pode ser comparado a um monarca, pois, rege as leis do estabelecimento e domina a política local, controlando coisas como economia (fazer ou não fiado, o tamanho do desconto ou acréscimo de acordo com o nível etílico de cada cliente, os impostos sobre as mesas de sinuca e baralho, etc.), alimentação (avisando a velhinha que costuma ser sua esposa de que as coxinhas, ovos de codorna ou queijos em nó acabaram, solicitando-a nova remessa), entretenimento para a população (manutenção dos baralhos, garantia de uma mesa de sinuca íngreme e música de qualidade duvidosa tocando todo momento) entre outras funções cabíveis a um rei de respeito.
   Ao lado do nosso monarca de boteco temos sua esposa, a senhora que normalmente tem uma voz exageradamente alta e aguda, ela é responsável pelas funções de limpeza e preparação dos quitutes que só um bom bar de tio possui, normalmente elas tem nomes curtos e de fácil pronúncia para auxílio dos bêbados (Edna, Maria, Perina). Ao lado dela temos em alguns casos as filhas do monarca, que são quase sempre muito cobiçadas dentro do local, tendo em vista que é rara a presença feminina. Muitos monarcas tendem a privar o espaço das "princesas" colocando-as presas na cozinha auxiliando a mãe, evitando assim contatos indesejados com os frequentadores, possivelmente pervertidos ou apenas necessitados de sexo, do local. Enquanto isso, os filhos homens do velhinho, tendem a melhorar suas habilidades nas supracitadas sinuca e jogos de baralho em geral, e auxiliar o pai no papel de servir os frequentadores do local, eles também podem desenvolver-se nas atividades com drinks, aprendendo por exemplo a fazer o famosíssimo rabo de galo ou a deliciosa e clássica caipirinha, assim sendo, os filhos homens são o grupo mais eclético de todo o “reino”.
    Saindo da elite dominante chegamos às classes distintas de clientes, temos vários tipos diferentes que circulam pelo lugar. De começo, na beira do balcão temos os clientes mais assíduos, estes sempre ficam ali, bebendo diversos tipos de bebidas, consumindo variadas guloseimas e aperitivos e conversando diretamente com o dono do bar (não que as outras classes não falem com o rei, é que esta mantém-se mais "próxima" da figura monárquica), eles têm boa relação política com todas as outras classes, mantendo-se neutros nas disputas que ocorrem dentro do boteco, alguns membros dessa classe tendem a esporadicamente frequentar as mesas de sinuca ou baralho como forma de entretenimento, afinal a politicagem e a conversa fiada podem entediar.
   Agora temos duas classes rivais, podemos considerá-los a classe média dos botecos, estes são os jogadores de sinuca de um lado, digladiando-se com os apreciadores das artes do baralho de outro, em um bom bar de bairro com nome de senhor, sempre haverá disputas por espaço e reclamações por parte dos baralhistas (palavra em que estou em dúvida acerca da existência) e dos sinuqueiros (palavra que eu tenho certeza que não existe, porém a usarei na falta de termo melhor). Os jogadores de baralho costumam reclamar das tacadas por acidente (ou não) que levam enquanto os apreciadores do bilhar reclamam da falta de espaço e da esbórnia dos truqueiros, pokeiros e cacheteiros.
   Temos mais personagens nessa complexa estrutura butequística, mas a demanda de tempo necessária para falar sobre elas é alem de minha capacidade atual. Assim sendo, por último vou falar sobre a classe mais abalada pelos males do mundo em todo o boteco, os bêbados que ficam na porta do bar ou no banheiro. Estes são os párias do local, o monarca tende a ter certo apreço por eles, mas também os ignora a fim de manter a paz no recinto. Eles têm toda uma cultura própria, nela encontramos tradições fortemente enraizadas, como por exemplo, cantar (xavecar, mexer) todos os seres possuidores de vagina que passam em frente ao bar. Uma curiosidade acerca desse costume é que ele limita-se ao falar, ou seja, eles sempre partem do pressuposto que a pessoa do sexo oposto vai ignorá-lo, sendo assim no caso de serem desafiados a cumprir o que prometem no xaveco, (a expressão usada por eles “ô lá em casa” ilustra isso) é comum que o bêbado decline, passando assim a imagem de covarde que está entrelaçada psicologicamente a ele. O mau cheiro em grande parte das vezes acompanha essa classe como um fiel cão acompanha seu dono, sendo estas uma de suas características mais conhecidas. Um último, mas não menos importante aspecto da cultura da cachaça (termo cunhado pelo grande sociólogo Gilberto Irmão, também conhecido como Gil Brother ou Away de Petrópolis, grande estudioso da classe bêbada nos botecos de toda província do Rio de Janeiro no tempo do Império) é a sua capacidade migratória, eles tendem a criar rotas saindo de suas casas passando por vários, as vezes dezenas de bares com nome de velhinho, estabelecendo assim a embriaguez total e então começarem a difícil jornada de volta para casa, lendas antigas dessa classe dizem que essa é uma tradição inspirada no movimento migratório dos albatrozes, espécie em que a migração serve de seleção natural, excluindo os indivíduos com menor capacidade de sobrevivência.
   Concluindo, a estrutura social chamada boteco, barzinho, taberna ou simplesmente bodega possui complexidade política, cultural e econômica notável e seria um erro por parte de qualquer ser humano que tenha interesse em história, sociologia, filosofia ou qualquer uma das ciências humanas desprezar tamanha riqueza de conhecimento. Agora peço que todos que leram este texto deem valor maior a cada copo de cerveja barata consumido no Bar do Lourival (nome meramente ilustrativo).

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Um pouco diferente do meu habitual estilo de escrita. Dedicado a Elô do elosuda.tumblr que me ajudou com conversas mistícas.

Um comentário:

  1. Um simples comentario, nunca li uma descrição tão boa sobre bares, botecos, budegas e afins ahsuahsauhs, e a comparação histórica ficou ótima...de Parabens pelo texto mais uma vez Paulo
    continue assim...bjoo

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