Normalmente, sexta-feira é um dia animado, todo o grupo se reúne e provavelmente vai parar em algum bar ou coisa do tipo, mais aquela sexta foi diferente das normais. Todo mundo meio depressivo, isso acontece as vezes mais nunca na sexta-feira, de algum modo que o fato posterior não me deixa lembrar, eu e Carlos acabamos em uma das quadras da UEM, tínhamos pouca coisa, um pouco de pó para dar coragem, mais não o suficiente para tornar dois desgraçados de extrema baixa-estima em algo que possa se chamar de homem de verdade, uma garrafa de vinho pra ajudar a cocaína a descer e dar gosto bom na boca e muita bobagem para conversar, normalmente conversamos sobre a vida alheia, nossas desilusões de amor e nossas analises a cerca do caráter das pessoas.
Algumas carreiras e meia garrafa de vinho depois tivemos uma grande surpresa, era ela, a mulher que fez com que essas palavras fossem escritas, nossa musa decadente, trançando as pernas, fumando um cigarro, segurando nas mãos um moletom roxo, o all-star sujo de barro deixava claro que uma boemia estava se mostrando, não deu outra, ao mesmo tempo que a admiração e a paixão surgia, também os acompanhava a falta de coragem, que nem mesmo o pó conseguiu dissolver, e uma enorme vontade de chama-la para uma conversa, uma simples conversa já nos deixaria feliz, nós sentimos que ela também se atraiu por nós, afinal, não é toda sexta feira que se vê dois drogados numa quadra poliesportiva tomando vinho e conversando as 3 horas da manha. Porém, ela era a musa da beleza underground, cabia a nós chama-la para sentar e não a ela que tinha até mesmo alterado seu caminho para passar perto de nós, algo que já era um grande feito, se oferecer para sentar. Assim ela se foi, mais se acha que esse era o fim da noite, espere e verá amigo. Desolado era uma palavra amena para definir o estado de espírito dos dois, que estranhamente se apaixonaram pelas mesmas características da jovem, que poderia estar vomitando, ou qualquer coisa nojenta, antes de passar por nós, dois corações destruídos e muita raiva era o que havia em nossos peitos desolados, quando se tem auto-estima baixíssima como a nossa você se acostuma a sentir raiva quando ela age sobre você, assim terminou nossa garrafa de vinho, e sem álcool para acompanhar é difícil usar a coragem condensada em uma linha branca a qual chamam de pó, então lá vamos nós atras de um lugar para comprar mais vinho, não era difícil achar, mais era longe e drogados se cansam aparentemente fácil, a caminhada dura que seria para buscar o vinho mostrou-se na verdade a coisa mais fácil e oportuna do mundo, quando ao passar pelo carrinho de cachorro quente, lá estava a quem nós tanto amávamos, ela estava recuperando as forças comendo algo, aquela beleza da decadência surpreendia ate mesmo naquela coisa extremamente cotidiana, uma troca de olhares calorosos, de ambos os lados creio eu, na verdade eu não tenho certeza disso, mais me sinto melhor pensando assim, e continuamos a caminhada, novamente feito idiotas sem coragem que somos, não falamos nada, mais devo dizer, que aquele olhar e deu a sensação de estar sendo abraçado, nunca antes tinha sentido algo assim, era impressionante, um cara como eu, que nunca tinha se relacionado proximamente de uma mulher, me sentia o homem, presunção minha me chamar assim, me sentia o desgraçado mais feliz do mundo, continuamos a cruzada atras de vinho, conseguimos e voltando todas as nossas conversas no caminho eram sobre ela, a mulher da qual eu nunca vou saber nada, mais que conseguiu ser a primeira por quem eu realmente me apaixonei, tínhamos certeza de que a veríamos na volta, afinal, fomos rápidos e ela não parecia estar prestes a ir embora, voltando igual a garotinhos que estão indo ao fliperama, felizes da vida e tentando se animar, afinal para os dois otários uma simples olhada para ela era o suficiente para acalmar corações drogados, grande engano o nosso, ao passar pelo “cachorrão do Tonin”a cruel verdade bateu na nossa cara com a força de um ótimo pugilista, ela não estava lá, e pior, dessa vez tínhamos a certeza de que não iriamos vê-la de novo. A dor consumiu meu peito, e claramente também consumia o dele, andamos um pouco e vimos um táxi parado, eis a duvida da noite, com certeza havia uma mulher beijando o motorista, e como nossa musa, diferente das que circulam por ai, era uma decadente mulher de all-star sujo e rosto triste e embriagado, a duvida surgiu, seria era aquela vagabunda beijando o motorista para ganhar talvez uma carona grátis para casa, ou apenas uma transa antes de dormir? Nunca vou saber, mais devo admitir por mais pervertido que isso possa parecer que isso seria na verdade mais um motivo para me apaixonar por aquela mulher, sabe, não foi a sutileza ou a doçura que nos prendeu, foi a beleza suja e decadente de uma bêbada fumante, que claramente, nas nossas cabeças, ansiava por uma conversa com dois drogados no caminho para casa que o fez, não foi um jeito angelical e uma casca de moral falsa criada por uma família e uma alma fajuta, e sim a sinceridade, a falta de controle que tanto me surpreende e me faz falta, a clara visão de alguém que se excede e não liga para o que pode acontecer, o calor e a beleza das ruas personificado num corpo sensualmente feito para deixar extremamente excitados dois imbecis que deveriam ter chamado aquela deusa para uma conversa, isso nos atraiu, mais como disse antes, não tenho certeza se era ela, e por isso a desilusão continuou, por algum motivo nós achávamos que eramos especiais para ela e que ela estaria sentada nas quadras esperando pela gente enquanto bebia uma cerveja e fumava seu cigarro, não preciso nem dizer que foi o ato falho da noite ter essa crença, e adivinhem, pela terceira vez ao chegar lá nossos corações provaram o fel que é amar e não ter retorno, mesmo que o alvo do amor seja alguém daquele tipo. Então com a terceira e pior das nossas desilusões terminamos o vinho, terminamos a cocaína, terminamos até mesmo os assuntos, e assim depois de uma passada na padaria para comprar cigarros cada um foi pra sua casa sem saber se um dia vai encontrar aquela que nos conquistou e fez até mesmo com que não ligássemos em dividi-la um com o outro, cada um foi para sua casa sem saber se estava triste por ter sofrido por ela, ou se feliz por apenas te-la visto, não sabíamos se queríamos procura-la no outro dia pela cidade toda até vê-la de novo e tentar pelo menos saber seu nome ou se o mais apropriado era deixa-la daquele jeito nas memórias, intocada como uma deusa deve ser, a única coisa que sabíamos, pelo menos eu sabia, era que aquela jovem do caminhar embrigado era minha paixão de sexta feira e que a lembrança dela não iria embora tão cedo.
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