Eram tempos difíceis, meu pai havia morrido a pouco tempo, e minha mãe que estava quase depressiva não ajudava muito, vivia me pedindo coisas, tudo o que não estava nas suas mãos ela tinha que pedir para mim, parecia que tinha perdido a habilidade de se movimentar. Era Francisco de cá, Chico de lá, e lá ia eu, um moleque de 16 anos, com mania de se irritar fácil fazer o que ela pedia, normalmente executava as tarefas usando meus resmungos como som de fundo.
Todos estavam fodidos, minha mãe só fazia trabalhar e chorar pela descoberta de uma filha bastarda de meu pai, para mim era época de vestibular e junto das varias afirmações de que eu não iria passar, pois ninguém na minha família tinha o feito antes, eu estava com uma forte crise de identidade que se resumia em uma vontade absurda de correr o mais longe que conseguisse para nunca mais voltar, meu irmão acabara de se separar da mulher, havia sido pego em um adultério e voltara a morar em casa, brigávamos constantemente, ele era mais velho e eu pensava que mais forte, quando discutíamos ele sempre me provocava, ele queria que eu tentasse bater nele, pois, ele adoraria me dar uma surra e não levar culpa nenhuma, eu sempre me acovardava e não partia para cima dele perante seus desafios.
Domingo a tarde, normalmente tedioso, estava há umas duas horas no computador, estava lendo coisas sobre baseados, era um iniciante na época e queria aprender tudo sobre, via também as receitas de alguns drinks bons para fazer para amigos, bebia bastante para um rapaz de 16 anos, era barman de uma balada conhecida na cidade, gostaria que isso não ficasse só como profissão, aprendi muita coisa que usei socialmente depois, até hoje faço uma ótima caipirinha, “Normalmente todos falam que fazem a melhor caipira do mundo, pena que só eu estou certo!” eu costumava dizer para meus amigos que aproveitavam-se do meu gosto pela preparação do drink típico brasileiro.
O computador ficava no quarto em que meu irmão dormia, mas que era meu por usucapião, ele chegou em casa do trabalho, eu estava irritado, na época estava sempre irritado, ele pediu para que eu saísse pois ele gostaria de usar o quarto, não tive paciência e mandei-o a merda, “Quem mora de favor não tem quarto!” eu disse enquanto fingia que estava lendo o texto na tela.
Levei um bom soco na cara, mas dessa vez algo acendeu em mim e não me acovardei, talvez o soco não tenha sido tão bom assim. Levantei e revidei o soco de forma adequada, ele aguentou a porrada e me empurrou contra a parede, trocamos mais alguns murros e talvez uns chutes a esmo, eu começara a virar o jogo, consegui mudar a posição da luta a ponto de empurrá-lo contra a parede do mesmo modo que ele fizera comigo, mas diferente dele, pressionei-o contra ela e soquei-lhe os rins. Ele se livrou de mim, afastou-se e começou a esbravejar:
- Você é foda mesmo, acha que só por que pesa mais e anda ficando fortinho pode ficar desrespeitando os mais velhos!
- Não acho que posso ficar desrespeitando os mais velhos, só não vou com sua cara e com seu jeito folgado! Júnior, meu irmão, tinha um emprego interessante, ele era segurança, e como tal tinha todos os apetrechos e equipamentos que um bom guarda teria, penso às vezes que ele achava-se o Batman com seu cinto de utilidades. Ele pegou uma tonfa de borracha e batendo-a no lugar de passar as roupas me ameaçou.
-Vamo ver se você é realmente forte!
- É fácil com essa coisa na mão, duvido que você seja homem de enfrentar só no braço.
Ele o fez, ao soltar o cassetete na mesa de passar roupas fui correndo contra ele e empurrei-o com força na direção da cama da minha mãe, ela não estava em casa, acho que estava visitando umas amigas, não me lembro direito, como disse era um iniciante na arte da cannabis. Ele me chutou enquanto estava deitado fazendo com que eu batesse contra a parede, não me abalei, era questão de orgulho, eu nunca havia me revoltado, já que estava o fazendo, que o fizesse de maneira correta, fui novamente para cima dele, que já havia levantado, derrubei-o de novo, e dessa vez com mais força, eu estava no meu ápice e estava sentindo isso. Consegui subir em cima de seu peito enquanto ele me batia. Uma vez em cima, segurei seus braços com meus joelhos, ele me olhou com raiva e tentou reagir em vão, eu tive a chance de socá-lo na cara para ele nunca mais esquecer, não o fiz, isso poderia me dar chateação no futuro e mesmo que não gostasse dele sabia que ia ver a cara dele todo dia por muito tempo ainda, mesmo quando algo acendeu dentro de mim, mantive-me frio como sou normalmente, não valia a pena bater forte e repetidamente na cara dele mesmo diante do prazer de vê-lo marcado durante um com tempo. Voltei para o computador e ele saiu de casa.
Agora eu era o macho alfa, eu havia humilhado alguém que normalmente me batia, me senti um leão, queria que todos ouvissem-me rugir, isso durou pouco. Fiquei estranho depois de um tempo, foi quando percebi que mesmo sendo o macho alfa da casa, não havia conseguido o que queria, e nem com o maior rugido do mundo seria possível acontecer, eu queria o respeito do antigo macho dominante. Eu tinha um objetivo e ele havia sido impossibilitado, nunca iria conseguir lutar contra meu maior inimigo, alguém já o tinha derrotado, de um jeito a derrubar até mesmo minhas expectativas da vida.
Em algum tempo a sensação de poder acabou e a única coisa que sobrou foi a angústia de ter um objetivo que não pode ser cumprido e que não é pela falta de coragem. Estava precisando de um bauro, sentei-me novamente no computador e achei a receita de piña colada, fiz no outro dia numa roda de amigos, consegui ficar bem bêbado.
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