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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Corações.

   Estávamos num grupo de pessoas, amigos, amigos de amigos, pessoas que nunca nem vi na vida. Ela era uma conhecida até o momento, tínhamos uma amiga em comum. Era uma daquelas noites de outono, em que em questão de minutos, talvez horas a temperatura muda drasticamente e nesses dias é fácil ser pego de surpresa pelo frio, principalmente num lugar igual ao bosque das grevíleas.
   Neste dia, estávamos com algumas garrafas de vinho barato, muitos baseados e um violão. Eu nunca havia dado muito atenção a aquela moça, mas naquele dia ela estava impressionantemente sexy, a ponto de prender meu olhar. Sentei ao seu lado, nesta hora a temperatura estava começando a descer e ela vestia apenas uma blusa com decote e um casaco finíssimo. Eu pedi o violão para um rapaz que estava a alguns minutos balbuciando algumas músicas do Jorge bem e como nunca fui bom cantor, pedi para Carlos, um amigo, para que cantasse uma música que eu iria tocar. Sabia que ela gostava de grunge, então resolvi tocar “creep” do Stone Temple Pilots, após o fim da música percebi que minha atitude tinha dado certo, ela estava me olhando de uma maneira mais encantadora, ou melhor dizendo, encantada.
   Conversamos durante um tempo, então o frio maligno veio, ela parecia um pequeno filhote congelando, achei belo. Sempre me apaixonei fácil e acho que isso sempre foi de fácil percepção, também fui sempre um romântico e gostava de fazer coisas românticas, então resolvi armar algo.
    Quando a vi tremendo de frio e bebendo para tentar esquentar, tirei minha blusa, coloquei dentro do bolso de forma disfarçada meu coração e sem mesmo que ela pedisse, envolvi a pequena jovem, seu nome era Luíza, com meu grande moletom que aceitou de bom grado. Também não avisei ela do que havia em meus bolsos, estava seguro de que ela iria perceber e, quando isso acontecesse, teria terminado minha jogada e era quase certo que ela iria retribuir entregando-me o seu coração, assim ficaríamos juntos.
   Impressionante a crueldade com que a lei de Murphy pode ter. Não sei dizer se ela não viu, ou se não gostou da ideia de ganhar meu coração e jogou-o fora, mas acerca desse assunto ela não comentou nada, e desestimulado pelo fato da minha “grande sacada” não ter tido o efeito esperado, pelo menos não no momento, nosso “clima” acabou esfriando. O fim da noite foi chegando e ela anunciou sua partida, para tentar garantir que iríamos nos encontrar novamente, pedi que ficasse com a blusa e assim ficar aquecida até chegar em casa, com a desculpa de “saber como estava minha blusa” peguei seu telefone.
    Alguns dias se passaram e não liguei para ela de começo, queria ver se ela me daria alguma atenção na internet, local por onde tínhamos algum (quase zero) contato antes desta noite, ela não deu. Depois de uma semana comecei a sentir a falta do meu coração, e quando a amiga que tínhamos em comum entregou-me o casaco sem o coração no bolso, pensei, demorou um pouco para ela perceber, mas ela gostou do meu gesto, tenho que ir atrás dela e de um coração, sendo o dela ou o meu. Peguei meu telefone e liguei para ela com um frio na barriga, característico de um começo de flerte, na primeira tentativa ela nem atendeu, passado um dia, tornei a ligar e desta vez sua doce voz entrou suavemente em meus ouvidos.
    -Alô!?
   -Alô! Luíza?
   -Sim, quem fala?
   -Oi, aqui é o Francisco, lembra? O amigo da Laura...
   -Oh!? Claro, tudo bem?
   -Tudo ótimo e você como está?
   -Bem bem, tudo certo.
   -Então, lembra que naquele dia do “grevas” você ficou com meu moletom?
   -Sim, claro. Mas eu deixei ele com a Laurinha uns dois dias depois, ela não lhe entregou ainda?
   -Ah, sim, entregou sim. É que eu esqueci um... coisa no bolso e creio que você tenha achado.
   -Na verdade não me lembro de ter achado nada, acho que nem mesmo conferi os bolsos, não tenho esse costume. Mas eu estava meio bêbada aquela noite, o que você deixou na blusa?
   -Então... Olha que cabeça a minha, esqueci meu coração, sou um relapso, não!?
    -Nossa, nem sabia que você tinha um. Olha eu tenho certeza que não tem nenhum coração aqui em casa, você pode ter deixado ele cair antes de me entregar.
    -Bem, obrigado de todo modo, e hein, sexta-feira vai ter rolar um blues no tribos, a gente deveria ir!
    -Vou ver, se for o caso combino com a Laurinha.-É, OK, beijo.
    -Beijo.
    Fiquei embasbacado ao colocar o telefone de volta no gancho, onde caralho estaria aquele pedaço de mim. Uma agonia foi me pegando de jeito, afinal, enquanto eu achava que ele estava com a Luíza, tudo bem, ele estava seguro, mas agora, eu não sabia onde meu precioso (ou talvez nem tanto, já que entreguei-lhe para a primeira que apareceu) coração.
   Agora a única coisa que eu queria era ter meu frágil coração de volta e no melhor estado possível. Sendo assim, fui atrás de Laura, a amiga que me entregou o moletom, achei que poderia ter ficado na blusa e assim passado despercebido por Luíza. Estava num livre, então fui até a casa de Laura, obviamente depois de ter ligado e conferido se ela estaria lá. Entrei em seu apartamento, o 802 do edifício Classic, era muito agradável, tinha uma pequena e aconchegante sacada e os móveis haviam sido bem escolhidos, não consegui aproveitar decentemente a beleza do lugar, quando seu coração está na posse de outras pessoas, sem você estar com o delas, fica difícil sentir esse tipo de coisa, falta-lhe algo. Sentei-me numa boa poltrona de madeira com estofados e percebi que estava soando.

   -Laura, tô preocupado, meu coração ficou naquele meu moletom que deixei com a Luíza, sua amiga, e não tá com ela e nem na blusa. Por acaso não ficou com você?
    -Coração? Nem tava sabendo que você tinha arrumado um Chico.
    -Eu sempre tive um! E ando escutando muito isso ultimamente.
    -HAHAHA! Bem, não tá aqui não, mas você é um besta mesmo hein! Foi deixar seu coraçãozinho pequenino com a Luíza, não foi muito inteligente, HAHAHA!
  -Eu não DEIXEI com ela, eu esqueci!
  -Sei, essa é meio velha né meu bem. Quer café?
    -Não, vou indo, tenho que achar essa merda de coração logo, não aguento mais isso!
    Fui-me embora e no dia seguinte fui no único lugar em que poderia estar e ainda ter alguma chance de achar, o bosque das grevíleas. Cheguei no “grevas” ainda de manhã, estava com sono e o orvalho estava na grama e nas folhas. Cheguei até o local onde estávamos naquela noite, andei por alguns minutos procurando e finalmente, somente a alguns centímetros de onde Luíza estava sentada, achei a parte que me faltava, meu cansado coração estava de volta.
    Pela posição em que estava parecia ter sido chutado, além do que tinha uma marca de sapato, mas era de um pé grande, todo modo, nunca terei certeza se a moça jogou meu coração fora, ou se apenas nunca chegou a tê-lo nas mãos de verdade. Uma vez com minha “válvula de emoções” em minhas mãos novamente, vi que ele estava sujo e amassado, molhado de orvalho e machucado, limpei-o com minha camisa, que por sua vez ficou bem suja, tentei consertar o amassado, mas não consegui desamassar tudo.
    Apesar de amassado, ele parecia funcionar bem, coloquei-o de volta em seu lugar e o vi começando a trabalhar novamente, estava lento, recuperando-se e isso levaria um tempo, me senti melhor com ele de volta no meu peito. Fechei minha camisa e fui beber, afinal, tinha que comemorar a volta de um bom e, apesar de desleal, velho amigo.



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Baseado na música "Devolve, Moço" da incrível Ana Canãs. Quem quiser ouvir Clique aqui.
Agradecimentos ao Paulo Henrique (CHE) de Souza, do Poesias do CHE por me arranjar um caderno com poderes mágicos.

Um comentário:

  1. Que poderes "místicos" vc tem de escrever. Como já conversamos um dia nos nossos banquinhos lá, não acharia melhor para expressar seus escritos.
    Parabéns, Paulinho (^^')

    Ju.

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